Síndrome de Burnout: Origem, Identificação, Prevenção e Tratamento

O que é a Síndrome de Burnout? Como identificá-la? Quais suas causas? Como prevení-la e tratá-la? Te convido nesse texto a conhecer o Burnout em sua complexidade, fundamentado em estudos e abordagens de cuidado sólidas. Nesse texto, compartilho ainda um grupo gratuito que criei no whatsapp, onde trocamos experiências e onde divulgo toda semana artigos e sínteses sobre os principais achados sobre o tema.

Matheus Viana Braz (CRP 04/67244) (Psicoterapia online e presencial)

8/9/202311 min read

Matheus Viana Braz*, 09 de agosto de 2023.

*Psicólogo (CRP 04/67244) e Professor Universitário. Doutor em Psicologia pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia da UNESP. Autor dos livros Trabalho, Sociologia Clínica e Ação: alternativas à individualização do sofrimento (Editora Fi, 2021) e Paradoxos do Trabalho: as faces da insegurança, da performance e da competição (Appris, 2019). Como psicólogo clínico, é especialista em conflitos e sofrimentos relacionados ao trabalho . Realiza atendimentos presenciais e online.

Nunca se falou tanto de Burnout (ou esgotamento profissional) em nossa sociedade como nos últimos dez anos. De um lado, isso é interessante, pois amplia as possibilidades de debates sobre suas causas, prevalências, estratégias de prevenção e tratamento. De outro, temos uma generalização perigosa do termo, que culmina em realizações de autodiagnósticos (principalmente por redes sociais) ou diagnósticos equivocados. Mas o que é realmente a Síndrome de Burnout? Como identificá-la? Quais suas causas? Como preveni-la e tratá-la? Te convido nesse texto a conhecer o Burnout em sua complexidade, fundamentado em estudos e abordagens de cuidado sólidas. Caso você queira conhecer mais sobre o Burnout, em uma perspectiva acadêmica e interdisciplinar, compartilho ainda um grupo gratuito que criei no whatsapp, onde trocamos experiências e onde divulgo toda semana artigos e sínteses sobre os principais achados sobre o tema.

Origem dos estudos sobre Burnout

Em resumo, o Burnout tem sido estudado no mundo desde os anos de 1970. O psicanalista Herbert J. Freudenberger foi um dos primeiros a identificar seus sintomas e utilizou pela primeira vez o termo Burnout para designar um conjunto de observações clínicas de trabalhadores, caracterizadas pelo sentimento de fracasso, exaustão e desgaste de energia psíquica e física. Em seu livro, Freudenberger relatou ainda o surgimento de um vazio interior, que se assemelhava ao estado depressivo, porém que parecia ser proveniente de um incêndio interno, provocado pelas exigências no trabalho. Daí o termo Burnout, que traduziria um fenômeno onde se “queima de dentro para fora”.

A psicóloga social Christina Maslach, nesse mesmo período, passou a investigar esse fenômeno, de maneira a entender quais mecanismos de enfrentamento eram utilizados para lidar com a carga emocional oriunda do trabalho assistencial. Maslach foi surpreendida pela existência numerosa de profissionais com exaustão física e emocional, manifestando repulsa pelas pessoas que prestavam serviços, além de vivenciarem a sensação de fracasso e incompetência.

A partir da construção de instrumentos específicos à coleta e análise de dados, pesquisadores como Cristina Maslach, Ayala Pine, Cary Cherniss, Michael Leiter e Wilmar Schaufeli propuseram descrições e teorizações relacionadas ao Burnout. O esgotamento profissional passou a ser constatado mediante um processo de desilusão e esgotamento ocasionado por contextos laborais estressantes. Contudo, havia aqui uma particularidade: tratavam-se de trabalhadores que antes eram apaixonados por suas atividades e que gradativamente se esgotavam psiquicamente, diante do excesso de pressões organizacionais.

Na década de 80, a comunidade acadêmica internacional passou a se interessar mais pelos estudos sobre Burnout, sobretudo em função de modificações culturais acerca da qualidade de vida, do aumento das expectativas e das responsabilidades depositadas sobre os profissionais assistenciais, de saúde e educadores. Nos anos 90, médicos e psicólogos como Philippes Davezies (1992) e Marie Pezé (2008), a partir de casos clínicos, passaram a argumentar que experiências de fracasso e desilusão indicavam ser determinantes no processo psíquico do Burnout, além de serem oriundas da distância entre os objetivos almejados pelos trabalhadores e o que eles efetivamente conseguiam alcançar. Ainda nessa época, se fortaleceu a hipótese de que há uma correspondência estreita entre a “perda do sentido existencial do trabalho” e o desencadeamento do Burnout.

Os avanços recentes que temos constatado, portanto, ocorrem em virtude de estudos realizados por diversos países e pela consolidação de instrumentos utilizados a partir de perspectivas multidisciplinares. Por outro lado, somente no ano de 2019 a Organização Mundial de Saúde (OMS) oficialmente reconheceu o Burnout como um fenômeno ligado ao trabalho e ao emprego. A Síndrome de Burnout foi então incluída na nova Classificação Internacional de Doenças (CID-11) que entrou em vigor em janeiro de 2022.

Quais os sintomas da Síndrome de Burnout?

A Síndrome de Burnout (ou Síndrome do Esgotamento Profissional) não é classificada como uma doença e foi localizada na CID-11 no âmbito dos “Fatores que influenciam o estado de saúde ou o contato com os serviços de saúde”, precisamente na seção que inclui razões pelas quais as pessoas procuram serviços de saúde, porém que não abarcam doenças ou condições de saúde. Esse ponto é fundamental e retornaremos a ele no próximo tópico do texto.

Na prática, a CID-11 somente formalizou um entendimento amplamente compartilhado há mais de duas décadas na literatura sobre o Burnout, o caracterizando como “resultante do estresse crônico no local de trabalho que não foi gerenciado com sucesso”. Três dimensões evidenciam e permitem identificar o esgotamento profissional:

  • Exaustão emocional, isto é, o indivíduo sente-se esgotado, como se não tivesse mais energias e recursos emocionais, além de eventualmente ter também a sensação de frustração, por sentir não dar conta das demandas de seu trabalho;

  • Despersonalização, evidenciada pela predominância de insensibilidade emocional e de sentimentos negativos como o cinismo, irritabilidade, excesso de negativismo e isolamento psicoafetivo;

  • Baixa realização profissional, percebida pelos sentimentos de incompletude, incompetência e da insatisfação do trabalhador com seu desenvolvimento profissional, como também do declínio de seu autoconceito e autoestima.

Só podemos caracterizar Burnout, portanto, quando observamos esse tripé nosográfico e quando se trata de um fenômeno ocupacional, que não tenha origem na descrição de experiências causadas por outras áreas da vida. Em minha experiência na clínica e de acordo com a literatura, entendemos que o Burnout deve ser compreendido como um processo (que pode levar dias ou meses) e não um episódio. Em geral, da exaustão emocional à baixa realização profissional, passando pela despersonalização, os seguintes sintomas podem ser percebidos:

  • Cansaço excessivo, físico e mental;

  • Dor de cabeça frequente;

  • Aumento do uso de drogas lícitas e ilícitas, usadas como mecanismos de compensação;

  • Alterações no apetite;

  • Insônia;

  • Dificuldades de concentração;

  • Sentimentos de fracasso e insegurança;

  • Negatividade constante;

  • Irritabilidade desproporcional;

  • Isolamento psicoafetivo;

  • Sentimentos de derrota e desesperança;

  • Sentimentos de incompetência;

  • Alterações repentinas de humor;

  • Fadiga;

  • Pressão alta;

  • Dores musculares;

  • Problemas gastrointestinais;

  • Cefaleias tensionais;

  • Taquicardia;

  • Fobia do ambiente de trabalho.

Quem sofre de Burnout, em geral, são trabalhadores que investem uma carga emocional excessiva em suas atividades laborais. Por isso, as maiores taxas de prevalência encontram-se em profissionais da saúde e educação. São pessoas que amam e se dedicam intensamente aos seus trabalhos e que tendem a ignorar os limites e sinais de cansaço e estresse em seus corpos. É comum, inclusive, que antes do desencadeamento do Burnout, esses trabalhadores sejam vistos como exemplares, referências ou workaholic por seus pares e superiores.

Como é feito o diagnóstico? Quem devo procurar?

Em função de seu desconhecimento por vários profissionais de saúde, um dos maiores desafios encontrados, hoje, é a realização de diagnósticos assertivos da Síndrome de Burnout. Em minha experiência na clínica e realizando pesquisas com trabalhadores em processo de esgotamento profissional, tenho recebido com habitualidade pacientes que mencionam ter tido diagnósticos de transtornos de ansiedade ou depressivos (por médicos ou psicólogos), contudo quando avaliamos em profundidade, constatamos tratar-se, antes de tudo, da Síndrome de Burnout. O diagnóstico diferencial do esgotamento profissional é fundamental, sintomas de ansiedade e depressão por vezes estão presentes, porém são secundários aos Burnout. Diante de um diagnóstico equivocado, pacientes passam meses com tratamentos direcionados indevidamente, que se revelam pouco eficazes, por não abarcarem as causas do sofrimento.

Portanto, o diagnóstico de Burnout deve ser feito de maneira interdisciplinar, ao menos envolvendo médico e psicólogo, que irão realizá-lo, de maneira a orientar a melhor forma de manejo clínico e tratamento medicamentoso (quando necessário). Destaca-se que no SUS a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) oferece de forma gratuita e integral todo esse tratamento. Unidades Básicas de Saúde (UBS) e Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) são as principais portas de entrada indicadas.

Caso você esteja se sentindo esgotado emocionalmente em relação ao seu trabalho e suspeite que esteja em processo de desenvolvimento do Burnout, indico que procure o quanto antes profissionais especialistas nesse fenômeno. Chamo atenção para isso, porque para além de sua dimensão nosográfica e categorial (identificação de sintomas), o diagnóstico do Burnout deve ser tomado em sua complexidade, em uma perspectiva multidimensional.

Na prática, um diagnóstico nesse campo envolve:

  • Identificação de sintomas e sinais;

  • Mapeamento de fatores de risco associados;

  • Anamnese e entrevistas em profundidade;

  • Identificação de fatores contextuais (análise de ambiente de trabalho, carga horária, recursos disponibilizados, organização e relações e trabalho, fontes de reconhecimento, prazer e sofrimento no trabalho e perda de sentido relacionado ao trabalho, dinâmicas de cooperação e isolamento no ambiente laboral);

  • Uso de instrumentos diagnósticos específicos, validados academicamente;

  • Exames laboratoriais;

  • Histórico médico e de uso de substâncias psicoativas;

Isso significa que dificilmente é factível fazer o diagnóstico de Burnout em um encontro ou consulta. Sugiro, aos profissionais de saúde, que empreendam uma escuta sensível às vivências de cada trabalhador, de modo a compreender suas histórias de vida, integrando passado, presente e futuro. Sentimentos de solidão e culpabilização são centrais no Burnout, portanto no processo de escuta devemos sempre ter o cuidado ético para que não reforcemos esses sofrimentos. Isso significa escutar o trabalhador em sua singularidade, contudo sem nunca desprezar que o Burnout é fruto de um fenômeno psicossocial coletivo, diretamente relacionado ao ambiente de trabalho. Todo cuidado é pouco, para evitarmos a psicologização do sofrimento e a individualização das contradições sociais inerentes ao Burnout.

Como prevenir e tratar o Burnout?

Na literatura, os fatores de risco associados ao Burnout variam em função das diferentes categorias profissionais. O que temos observado nas pesquisas conduzidas em nosso laboratório é que a maior suscetibilidade ao Burnout está relacionada a indivíduos que tem no trabalho a única (ou uma das únicas) fonte de sentido às suas vidas. Expectativas irrealistas sobre o trabalho e superinvestimento de si, atreladas à excesso de pressão, cobranças desproporcionais, radicalização da competição (a ponto de mitigar relações de cooperação), dificuldade de desconexão e individualização restrita de desempenho, parecem ser ingredientes diretamente atrelados ao Burnout.

Seguindo as recomendações do Ministério da Saúde, sugiro que a prevenção do Burnout deve ser feita em duas direções:

          Individual

  • Quando possível, evite que o trabalho seja a única finalidade de sua existência. Momentos de lazer, com familiares e amigos, sem culpabilização, são fundamentais nesse processo;

  • Pratique atividades físicas regularmente e se alimente de forma saudável;

  • Crie estratégias para se desconectar deu seu trabalho (sobretudo em relação a whatsapp, emails, etc);

  • Avalie constantemente se suas expectativas ou cobrança de si relacionadas ao trabalho não são irrealistas;

  • Avalie a função psicológica de seu consumo de drogas. É comum que diante de situações estressoras, o consumo exacerbado de álcool, tabaco, doces etc cumpra função de compensação e evitação do desprazer. Atenção especial deve ser dada para que não leve a quadros de dependência;

  • Não se automedicar nem tomar medicamentos sem prescrição médica;

  • Busque espaços onde haja pessoas dispostas a ouvi-lo (a). Como há a tendência ao isolamento no Burnout, é fundamental a busca ativa de relacionamentos genuínos, por meio dos quais você se sente acolhido e cuidado.

     Coletiva e Organizacional

  •  Ambientes de trabalho onde predomina o excesso de pressão, o assédio moral, a radicalização da competição, a individualização irrestrita dos desempenhos e cobranças desproporcionais, tendem a criar contextos frutíferos ao desencadeamento da Síndrome de Burnout;

  • No âmbito da gestão, é fundamental o fomento à segurança psicológica no trabalho, criando estratégias de incentivo à colaboração, a estima e dinâmicas de reconhecimento;

  • Se o Burnout é evidenciado pelo isolamento psicoafetivo, sugiro que sejam feitos investimentos em gestores, para que possam empreender uma escuta sensível aos seus subordinados, de maneira a acolherem fragilidades e identificarem o que dá sentido ao trabalho dos membros de suas equipes;

  • Atenção ao clima do seu ambiente de trabalho. Por vezes, o excesso de positividade no trabalho é sinal de ocultação de conflitos ou negação do sofrimento e contradições das organizações. Pode ser que haja trabalhadores aparentemente felizes em sua equipe, mas que seguem chorando nos banheiros da empresa ou expressando suas angústias ao chegar em suas casas.

O tratamento, por sua vez, implica a operacionalização de um manejo clínico sensível, atento às singularidades de cada caso, realizado por uma equipe de profissionais de saúde. É comum que se conjugue tratamentos medicamentosos pontuais (ansiolíticos ou antidepressivos) com psicoterapia, feita por psicólogos(as) especializados em Burnout. Primeiro, os aspectos descritos acima devem ser discutidos junto ao trabalhador, para que seja feita avaliação do que é possível ser feito, considerando sua realidade. Toda estratégia de proteção em saúde precisa ser levada em conta, individual e coletivamente.

A partir da literatura científica da área, sugiro que a escuta clínica se opere de acordo com dois tempos, que se interconectam.

  1. No primeiro, se servindo de dispositivos sócioclínicos específicos, convidamos o trabalhador a revisitar sua história de vida, com ênfase especial em sua trajetória socioprofissional. Objetiva-se, aqui, compreender aspectos identitários de sua relação com o trabalho, o significado e sentido do trabalho em sua vida (modos de incorporação ideológica, investimentos emocionais no trabalho etc), pontos de ancoragem que sinalizam dinâmicas relacionais e de reconhecimentos específicas e, por fim, compreender as maneiras pelas quais o trabalhador exerce posições desejantes em sua vida. 

  2. No segundo, uma vez integradas as relações entre passado e presente da vida do trabalhador, já é possível identificar e criar estratégicas práticas e personalizadas de enfrentamento aos fatores de risco ao Burnout, bem como reavaliar as possibilidades de criação de estratégias de prevenção. A escuta do profissional de saúde, nesse momento, tende a ser direcionada à integração do presente com a percepção e expectativas de futuro do trabalhador. Em casos onde houve desencadeamento de crises de Burnout, o foco se endereça à criação de estratégias para garantir o retorno ao trabalho (na mesma organização, em outra ou mesmo em outra área).

Além das entrevistas onde é realizado o diagnóstico, esse processo pode variar de 10 a 20 sessões, todavia esse número pode variar de acordo com as demandas de cada trabalhador.

Destaca-se, por fim, que para além de estratégias clínicas individualizadas, é fundamental no enfrentamento ao crescimento do Burnout em nossa sociedade, que psicólogos(as), sociólogos e outros profissionais busquem colocar em prática intervenções coletivas, realizadas em grupo no interior das organizações. Tenho me dedicado também a esse trabalho (além da clínica individual) e me parece que esse é o melhor caminho possível à prevenção do Burnout. Esgotamento profissional não é um fenômeno somente individual, então se o tratarmos somente a partir dessa abordagem, não resolveremos um problema que tende a se tornar sistêmico no mundo do trabalho, sobretudo em países como o Brasil, onde a precarização do trabalho parece ser mais a regra do que a exceção. Em meu livro, disponível gratuitamente, faço essa discussão, apresentando ferramentas e possibilidades de intervenção institucionais a partir da Sociologia Clínica.

Caso tenha interesse em saber mais informações sobre o Burnout, clique nesse link para participar de um grupo de whatsapp que acabei de criar. A participação é totalmente gratuita. Nele, trocamos experiências e compartilho semanalmente artigos, livros e sínteses sobre o assunto.